
Vejo também
que a vida dança num ritmo descompassado, que se dirige a algum lugar que,
aparentemente, já conhece, explorando as possibilidades que não param de
despontar nos infindáveis horizontes. Essa aparente coincidência, essa ordem
sutil que se traveste de caos e toda essa avassaladora beleza que insiste
fingir-se de mero acidente me embriaga e me liberta dos julgamentos, das
armadilhas intelectuais sem propósito e, principalmente, da dúvida. O que sobra
é, mais uma vez, o pulso criativo, a trepadeira que cresce sem controle
dominando grades, muros e prédios inteiros...
Minha
caminhada é sobre uma estrada branca cujo destino ainda não está demarcado e
nunca poderá estar, pois as rotas ora se sobrepõem, ora se ramificam num
desenho sem simetria, contanto que não há volta nem chegada possíveis. Então
sei que, certamente, terei de fechar os olhos em alguns instantes para perceber
que o ar que inalo e exalo e que distribui o oxigênio para toda a extensão de
meu corpo é algo tão mágico quanto o meu trajeto. Meu caminho está repleto de
pedra e areia e o ar que me invade os pulmões tem diminutas partículas de pó
que meu corpo é capaz de filtrar, mas, além disso, minha estrada também é uma
materialização da música harmoniosa que meus pensamentos emanam e o meu ar é um
dos aspectos da energia vital. Impossível não descobrir, portanto, que a arte
de ousada beleza vibra em meu peito, permitindo que tudo viva, sobreviva e
funcione de forma simples, porém engenhosa. Em mim repousa nada menos nada mais
que a arte de intercalar matéria, espírito e divindade.
Absorto
nessa forma interligada de interpretar meus passos, encontro muitas outras
respostas, como o conceito universal do próprio amor. Defini-lo equivale a
vivê-lo, significa fazer da própria vida um conjunto de experiências intensas,
criadoras e divinas, que são possíveis apenas quando reencontro a linha sinuosa
do meu caminho familiar. É agora que compreendo, também, o autoconhecimento e
suas doces consequências. Trata-se do mesmo processo feito pela catadora de
feijões de todas as manhãs que, insistentemente, recolhe pedras, estragos e
impurezas para, finalmente, isolar os grãos saudáveis. Quando faço o mesmo,
vejo que as minhas sementes de feijão não apenas se tornam visíveis para mim,
como também parecem desejar criar o que ainda não imagino.
Visualizo
minha árvore da vida com toda sua sabedoria e orgulho-me enormemente em
confessar que eu a descobri por mim mesmo, sentindo muito medo, embora não
paralisado por ele. E, agora, não importa que rota escolha, sou sempre capaz de
encontra-la no mesmo lugar, com a mesma nudez e imponência. Mas hoje, quando a
vi pela enésima vez, percebi que seus botões haviam sido abertos, tingindo céu
e terra de um índigo violáceo ao qual meus olhos demoraram a se adaptar. Uma
abelha frenética impregnaria o corpo com o pólen, que seria inserido no ventre
de outra flor, os princípios macho e fêmea se amariam, gerando uma semente
maciça que, encontrando um bom solo, germinaria e passaria a ser um novo ente,
com outros saberes, outros feitiços.
Autora: Leticia Braga